11 de set. de 2011

FALÁCIAS, FALÁCIAS, FALÁCIAS

11 de set. de 2011

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Jamais estou onde procuro
E sim na forma abstrata
Que é este porto inseguro
Da tibiez que me retrata.
.
Pois vejo em mim um esqueleto
Que nada sabe mas possui
Em seu perfil obsoleto
Todas as coisas que não fui.
.
Assim declaro e nestes termos
Pela razão que ainda existe
Em detrimento aos dias ermos
Um homem tolo que resiste.
.
FTO

A TRANSIGÊNCIA DO VAZIO


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...e na palidez do meu retrato
Percebo algo e sempre noto,
A semelhança de algum fato
Que registrei junto com a foto.
.
É algo estranho, faz-me falta,
E não é falta simplesmente,
Mas qualquer coisa que ressalta
Do que a foto pôs na gente.
.
Pro beco escuro, a noite é luz,
E quem enxerga não vê nada;
Vê pensamentos que eu não pus
De quando a foto foi tirada
.
FTO

BARRAGEM


.
Na aurora densa e fria
O lago inerte e denso
Carrega, exprime ou copia
O nada vago que penso.
.
Pois minha mente é um lago
Um lago razo e confuso
Que nada exprime, é o vago
Do lamaçal que eu cruzo.
.
Na aurora fria a fronde
De um nevoeiro espesso
Ao lago inteiro esconde
E eu do sei me esqueço.
.
FTO

10 de set. de 2011

DANÇA DO VENTRE

10 de set. de 2011
.
As mãos se perdem na curva
Da silhueta inconstante
Que a luz opaca e turva
De um nada faz resultante.
.
E o corpo arqueado e leve
Balbucia quieto, traduz
Insinua, mostra e descreve
O quanto dele é a luz.
.
E assim é que ela alcança
O algo além de esposa
Pois não é corpo, nem dança
E sequer é nada ou coisa.
.
FTO

REFÚGIO

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Vou refazer-me de um ponto
De uma virgula adjacebte
Que é a tese em confronto
De eu em mim sentir-me gente.
.
Vou seguir meu cadafalso
Que se estreita no caminho
E se perde no encalço
De eu em mim estar sozinho
.
Vou seguir... não vou seguir
Já não sei ou quero crer
Que eu em mim só posso ir
Quando enfim eu me perder.
.
FTO

11 de ago. de 2011

IMPASSE

11 de ago. de 2011

.
Meu corpo é vidro esculpido
É a mais singela fração
De um vitral colorido
Mesclando as cores do chão
.
É greta, é o pó e a fumaça
De uma poeira escarlate
Que se espalhou na vidraça
Bem onde o sol nunca bate.
.
É o mais intenso conflito
Que a escassez de anidro
Perfaz no vácuo infinito
Do corpo inerte de vidro.
.
FTO

POEMAS BANAIS

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São as folhas frias do inverno,
Em galhos secos, nada mais,
Que escondi em um caderno
Entre poemas tão banais.
.
Foi na aurora amarga e fria
Entre torpores e segredos
Pois cada letra se escondia
Na frigidez entre meus dedos.
.
São folhas frias e pequenas
Em galhos secos e eu somente
As escondi, foi isso apenas
Não mão casada desta mente.
.
FTO

11 de jun. de 2011

INTENSIDADE

11 de jun. de 2011

FLOR DE PAPEL

SOLSTÍCIO

9 de jun. de 2011

SOLETRAR

9 de jun. de 2011
O vento entra na janela
E faz a tarde parecer
Que nada existe, apenas ela
E que vem dela o todo haver.
.
O vento canta e a voz rasgada
Pela janela soerguida
Parece mesmo não cantada;
Parece coisa esquecida.
.
E é desse canto sem cantar
Que pode a gente perceber
Que viu a tarde lamentar
O não ter visto o sol nascer.
.
FTO

1 de mai. de 2011

RIACHO DOCE

1 de mai. de 2011

MOCHILAS E MOCASSINS

29 de abr. de 2011

EU SEMPRE VOU PRO FIM DA ILHA

29 de abr. de 2011
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Eu sempre vou pro fim da ilha
Onde procuro explicação
Algum caminho, uma trilha
Ou pra fugir da hesitação.
.
Pois os remansos da maré
mantém a gente sempre preso
Nos faz pensar que a gente é
A contraparte de algum peso.
.
Eu sempre vou pra algum lugar
E nunca penso estar só
Pois toda ilha tem um mar
E tudo em nós é apenas pó.

.

21 de abr. de 2011

UMA IMAGEM

21 de abr. de 2011

16 de abr. de 2011

BALLET

16 de abr. de 2011

30 de mar. de 2011

ESPERA

30 de mar. de 2011

OLHOS DA COR DO MAR

28 de mar. de 2011

ARABESQUE

28 de mar. de 2011

VORAZ

21 de mar. de 2011

DESDE QOSQO HASTA HUARAZ

21 de mar. de 2011
I
.
...e refiz as malas novamente
Vou-me daqui não sei pra onde
Todo lugar é indiferente
E nada enfim me corresponde.
.
Parto daqui, não há saudade;
Chuva que cai em solo firme...
Levo de mim só a metade
Não sei se a outra vai seguir-me.

E já pressinto antes de ir
Em meu destino mundo afora,
Todo ficar é já partir...
Rumos traçados; vou embora.
.
II
.
Papeis rasgados pelo chão
Meu cobertor aveludado
A mão que treme, um violão
Nalgum lugar dependurado.
.
Frases perdidas num bilhete
Coisas escritas sem saber
Que serviriam de lembrete
Só pra um dia eu me esquecer.
.
O tempo ás vezes me engole
Me regurgita, me contrai
Todo passado é denso e mole
Nevoa cinzenta quando cai.
.
III
.
E eu contraceno inutilmente
Com a partida que farei
Pela vitrine transparente
Dos objetos que comprei.
.
Pois fatalmente eu me sinto
Como alguém que se vendeu
Pelo amargor suave e tinto
De alguma coisa que bebeu.
.
Então irei sem minhas malas
Porque não sei a que levar
Não sei que coisas vou guardá-las
Apenas sei: não vou voltar.
.
FTO

18 de mar. de 2011

(DES) ENCONTRO (S)

18 de mar. de 2011

17 de mar. de 2011

RETRATOS DE UM SOL POENTE

17 de mar. de 2011

16 de mar. de 2011

RÉQUIEM

16 de mar. de 2011

TRAÇOS DE UM DIA AMARGO


PÉS DESCALÇOS SOBRE A AREIA

15 de mar. de 2011

A DISTÂNCIA É COMO O VENTO

15 de mar. de 2011

O CORPO DO DIA MOLHADO

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As horas tingidas de brisa
No corpo molhado do dia
São como alguém que precisa
Reencontrar alegria.
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Lembram um peso, um fardo
Nas aguas frias do marne,
Ou um cavaleiro hussardo
Com estilhaços na carne.
.
E, como as águas, se espalham
No leito frio e calado
Da brisa que fere e retalha
O corpo do dia molhado
.
FTO

8 de mar. de 2011

UM BARCO NO TOPO DO RIO

8 de mar. de 2011

2 de mar. de 2011

RASCUNHO

2 de mar. de 2011
.
Minha poesia inacabada,
Que o tempo não rimou,
Nunca pode ser cantada,
Já não pode ser rimada,
E não pode ser quem sou.
.
Minha poesia sem papel,
Sem caneta nada enfim,
Foi a coisa mais fiel,
Uma estrela no meu céu,
Uma parte dele em mim.
.
Mas nada disso eu diria,
Se pudesse descrever,
Que em mim a poesia,
A si mesma se escrevia,
Eu precisei apenas ler.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

LIMÍTROFES

.
O espelho não reflete,
Aquilo que julgo ver,
Ele apenas se repete,
Noutro modo de me crer.
.
Em sua forma atenuada,
O que ele desconhece,
É que a imagem transformada,
Nunca é o que parece.
.
E o reflexo duplicado,
Mostra coisas que não sei,
Pois sou apenas projetado,
De uma idéia que criei.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

FINGIMENTO

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E ele sonhava caravelas,
Com medo de ser navio,
Com suas águas amarelas,
Num imenso mar bravio.
.
Nunca quisera ser porto,
Pois o porto só abriga,
O cargueiro feio e morto,
E a caravela antiga.
.
E pensava tão distante,
Na sua inventada razão,
Como um fio de barbante,
Segurando a embarcação.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

EQUÍVOCO

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Há num momento qualquer,
Qualquer coisa indefinida,
E que não passa sequer,
De uma coisa presumida.
.
E que não tem definição,
Além da possibilidade,
De não ser só presunção,
Mas a pretensa verdade.
.
E é assim que tudo vira,
Na imagem que se vende,
Ao fazer duma mentira,
A verdade que nos prende.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

SOFISMA

,
Há um traço obrigatório,
Uma curva que detém,
Meu desejo incorpóreo,
Minha vida de alguém.
.
A eterna inconstância,
Num sofisma rudimentar,
Que me prende à distância,
Onde penso não estar.
.
E ao nível não tangível,
Desta forma obsoleta,
O existir é tão possível,
Quanto a idéia na gaveta.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

PAISAGEM

.
Não sei se chove lá fora
Respingos molham o centro
Da paisagem que decora
A chuva que cai-me dentro
.
Deita-me na relva, deita
Porque a água acalanta
A arritmia perfeita
Daquilo que ela planta
.
E que o dia se embebede
De tudo que lhe convém
Pois no coração rebelde
Ás vezes chove também
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

TORPE E BANAL

.
A poesia, em rumos diversos,
Escapa-se do entender,
Não é expressa em versos,
E não se a pode escrever.
.
Buscai somente o sentido,
Da forma alheia e discreta,
Do algo incompreendido,
Que se perdeu do poeta.
.
Mas se atrevido, entretanto,
Ainda a quiseres buscar,
Deixai o meu livro de canto,
Que assim a irás encontrar.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

28 de fev. de 2011

POEMA DA RUA MORTA

28 de fev. de 2011
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Do eremitário da esquina
Talvez se possa presumir
Que a rua toda ali termina
Porque cansou de resistir.
.
É tudo ermo, quieto e ermo
Como cantigas de embalo;
Que banha as faces do enfermo
E assim crê que vá salva-lo.
.
E é nesta mesma quietude
Que para a rua sobrevém
A mesma falta de sáude
Banhando as faces que ela tem.
.
FTO

MOCHILAS E MOCASSINS

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Suave é a neve que nos banha
Nas travessias da manhã,
Nos picos altos da montanha,
Nos caracóis de linho e lã.
.
O sol não coube na mochila
Na velha mente ainda medra
A paz esparsa e tranquila
De cada ramo, galho e pedra
.
E é neste fim de cordilheira
Que o velho corpo encontra paz
A paz que faz da vida inteira
Transparecer-nos tão fugaz.
.
FTO

26 de fev. de 2011

A MIM DISSERAM QUE CHOVEU

26 de fev. de 2011
.
A mim disseram que choveu
Não pude ver nem percebi,
Pois nuvens frias como eu
Criaram a chuva que não vi.

Porém não sei se choveriam,
Por ignorar como se dê,
E que estas nuvens deveriam
Chover somente a quem as vê.

Mas pode ser que nem me importe
Porque enfim não vou saber
Pois sou apenas um transporte
Só fiz-me nuvem pra chover.
.
FTO

BODAS DE CARNE

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Manhã de pedras, devagar,
Manhã cinzenta, talismã,
Tu és o sol de meu lugar,
Serei lugar toda manhã.
.
Eu e você, na cruz do dia,
Você e eu na mesma dor
Que fez de nós escadaria
Nos descaminhos do amor.
.
Talvez um dia me aconteça
Deu resumir você em mim
Pra que o "nós" desapareça
E assim sejamos "um" enfim.
.
FTO

23 de fev. de 2011

RIBEIRINHO DAS VOLTAS (CURIAPEBA)

23 de fev. de 2011
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O rio rumina e a vazante
Faz da corrente rompida
Um objeto cortante
Que tira a água da vida.
.
E num caudal que flameja
O veio grita e derrama
Na foz inundada e despeja
A viscosidade da lama.
.
E o ribeirão permanece
Ouvindo o rio dizer:
Palavra ouvida se esquece
Falar pra dentro é saber.
.
FTO

O CHARCO DA CASA VELHA

.
É esta extensa repetição
É que me faz reformular
Das palavras que dirão
Quando alguém as perguntar.
.
O que sou e o que pareço?
O que fiz do meu espaço?
E porque eu não me esqueço,
De ser tudo que não faço?
.
Tantas peguntas devem ter
As respostas que objetem,
O que não posso é entender
Porque tanto se repetem.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

ITAOCA DE IMBIRA

.
Sorve o silencio, degusta
O resto parvo da dor,
Pois afinal não te custa
Fingir aquilo que for.
.
Sinta este nada observe-o
Pois ele mesmo levou-te
A rasgar a pele indelevel
Dos finos traços da noite.
.
Sinta o suor, o batuque,
E a agonia fremir,
Para que nada machuque
O sono que não quer vir.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

A BULA DE THOMAZ

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Queria sentir outro sentir
Ou a idéia que me fosse
muito além dela existir
Ou daquilo que tornou-se
.
E neste eterno sem sentido
Somente algo se ressalta
É o dualismo pretendido
Onde tudo me faz falta
.
Assim mesmo ainda queria
O olhar-me face a face
Pra entender o que eu seria
Quando tudo me faltasse.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

MONODIÁLOGO

.
Às vezes penso, sei lá,
Em ser outro, de repente,
Tão igual ao que sou já
E assim mesmo diferente.
.
E nesta mesma diferença
De eu ser o que já sou,
Serei nele o que ele pensa
E não o modo que pensou.
.
Talvez assim dessemelhante
Contraditório, louco, enfim,
Irei crer-me o bastante
Pra ser outro mesmo assim.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

21 de fev. de 2011

E ESTE POEMA

21 de fev. de 2011
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...e este poema é teu também
Posto que agora que o lês
Concebe formas que ele tem
E até te esqueces quem o fez.
.
O vês tão teu e assim o é
Dele só tenho a autoria;
Um mar revolto sem maré
Que fez de um risco poesia.
.
Mas não foi feito para ti
Nem para quem o possa ler
Pois eu apenas o escrevi
Porque não pude me conter.
.
FTO

DA FORJA AO VENTRE

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Quem me inventou talvez soubesse
Só não me disse que sabia
Que algo em mim sempre anoitece
Pelas manhãs, a cada dia.
.
Não quis dizer-me ou se esqueceu
Porque perdido noutro afã
Fez tudo em mim não ser tão meu
E fez as noites da manhã.
.
E porque o fez não vou saber
Talvez, por certo, neste dia
Não tinha como me dizer
O que ele mesmo não sabia.
.
FTO

O AMETISTA DE MAGDALENA

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É somente uma vela com certeza,
Uma vela apenas fria e vaga,
Não foi por mão alguma acesa
Mas hoje, enfim, ela se apaga.
.
É apenas uma vela já sem brio,
Um corpo morto que derrama
Na pele negra do pavio
A derradeira voz da chama.
.
É apenas isso, e nunca mais,
Repetirei o que foi dela,
Pois os motivos são banais
Na existência de uma vela.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

QUADRATURA

.
Os meus poemas são de barro,
De uma argila transparente;
Ornamentados como um jarro
Que reterá a água quente.
.
É um vasilhame que destila,
Em gotas brancas de cilício,
As velhas telhas de argila
Pra cumeeira do edifício.

Assim construo minhas frases
Talhando o gosto rarefeito,
De que os poemas são capazes
De serem feitos de outro jeito.
.
FTO
.

INEXPRESSÃO

.
Minha janela é como um olho
Que deixa não transparecer
Nos pregos velhos do ferrolho
Que ela consegue a tudo ver
.
E na cancela que desdobra
Um vulto magro se congela
De uma imagem que ainda sobra
Dela me ver olhando ela.
.
São dobradiças que o vento
A todo tempo faz lembrar
Que o instante é movimento
E esta janela é meu olhar.
.
FTO
.

AS REENTRÂNCIAS DA FACE

.
Nenhum silêncio se basta
Nas horas do não dizer,
Pois o não dito se gasta,
Na busca de se manter
.
Assim as velhas respostas
Das coisas que procurei
Se interagem, opostas
A perguntas que já não sei.
.
Eu estive errado, confesso,
E o meu silêncio dirá
Numa palavra, inespresso
Porque ninguém ouvirá.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

OS DIAS DE INVERNO

.
Vou recomeçar a minha vida
Por um momento não exato
De uma memória esquecida;
Por um bilhete e um sapato.
.
Saber de nada me estranha,
É como alguém sem endereço;
Neve descalça na montanha
E um bilhete sem começo.
.
Saber de tudo, no entanto,
É bem maior que estranheza;
Sapato velho em um canto,
Nenhum bilhete sobre mesa.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

O ADEUS DOS IMPOSSÍVEIS

.
Os pensamentos de cristais
Às vezes perdem-se no vento;
Seguem pra onde não são mais
O que os fez ser pensamento.
.
E o vento os leva, rodopia,
Numa ciranda interminável
Feita de cor e poesia,
De um sentimento imutável.
.
E na ignorada voz suprema,
Desta canção jamais igual,
Ouve-se, ao vento, um poema,
De um pensamento de cristal.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

20 de fev. de 2011

E AINDA UM QUÊ

20 de fev. de 2011
.
Num sentido amplo sei,
Que uma coisa diminuta,
Obedece à mesma lei,
Que faz a forma absoluta.
.
É numa tola redundância,
É como o frasco, nada além,
Que resguarda a fragrância,
Do perfume que não tem.
.
E assim tornado obtuso
Diluído em toda parte,
Tudo faz-se tão confuso
E por isso vira arte.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

LANTEJOULAS

.
Cada poesia é uma gota,
De chuva torrencial,
Que umedece a telha rota,
E nunca é especial.
.
Pois naquilo que escrevo,
Todo ponto se assemelha
À umidade em relevo,
Que consome cada telha.
.
E a chuva quando para,
No telhado umedecido,
Tem então a mesma cara,
Daquilo que foi escrito.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

TROPEL (DESAFORISMO)

.
É a tristeza calada,
Na voz do vento que ouço,
Como angústia cravada,
No fundo do calabouço.
.
Ouvi-la já não me basta,
E o poço fundo somente,
Profundamente se afasta,
E a voz me fica ausente.
.
Se o vento pudesse ouvir,
Eu lhe diria assim...
Pra nunca mais repetir,
As coisas ditas de mim.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

TECIDO RUDIMENTAR

.
A pintura imprecisa
Se inverte na medida
Do olhar quando divisa
Sua imagem refletida
.
Um do outro pouco sabe
Chego mesmo a pensar
Que a tela já não cabe
Na moldura do olhar.
.
E embora eu nada veja
Numa tola indisciplina
Sei que a imagem só deseja
Fazer parte da retina.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

ART NOUVEAU

.
A vida é como uma tela
Pano branco, sem pintura,
Não se pode pintar nela,
Pois a tinta não segura.
.
Falta cor, falta pincel,
Falta mesmo é um pintor,
Que desenhe sem papel,
E seja ele mesmo a cor.
.
E que assim se muiltiplique,
Nas cores que ele sinta,
Pra que a tela branca fique,
Toda pintada sem tinta.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

ID

.
Eu sou a somatória apenas,
De uma conta arredondada,
Em resultantes tão pequenas,
Que sequer foi anotada.
.
A irretratável ambivalência
Cujos lados tão iguais,
Fez avanços que à ciencia,
Se tornariam banais.
.
E nesta súmula duvidosa
Cuja íntegra não lerei,
Quiçá reste a coisa honrosa
De saber que nada sei.
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

8 de fev. de 2011

CLARIDADE

8 de fev. de 2011
.
Hoje entendi o que não vejo
A rara e dúbia intensidade
Entre o amor e o desejo
E nenhum deles na verdade.
.
O teu silencio me rodeia
E o som diáfano do dia
É um estopim que incendeia
Tudo que a vida silencia.
.
Te digo coisas mas esqueço
De te dizer principalmente
Que descortinas o começo
De um caminho à minha frente.
.
FTO

BERGANTIM DE PORCELANA E COBRE

.
O amargo doce de um beijo
Tem um aroma de flor,
Brotada em cada desejo,
Cuja beleza é não supor.
.
Tudo é segredo... uma ave,
No improviso de um passo,
Dança um ballet, tão suave,
No palco imenso do espaço.
.
A mão que acena num verso,
Onde não há o que dizer,
Faz doce amargo o universo
Pra cada beijo nascer.
.

Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

2 de fev. de 2011

LA INMACULADA

2 de fev. de 2011
.
Bendita seja a alma pura
Que mais de si nada deseja
Que resurgir na noite escura
E do torpor em que se veja
.
E do emaranhado desalento
Que leva o mundo à aflição
Buscar no sol do movimento
A derradeira redenção.
.
Bendita seja quem teceu
No descampado das estrelas
Um outro rumo a quem perdeu
Para achar-se quando vê-las.
.

30 de jan. de 2011

ENTRESORTE

30 de jan. de 2011

.
Veio um vento na estrada
E levou o que eu tinha
Mas enfim não tinha nada
Só o vento que não vinha
.
Desrumei-me no intento
De um jeito entrelaçado
À poeira que era vento,
A um rumo que era errado
.
Pois a sorte nunca quis
Encarar de outra maneira
O caminho que eu fiz
Neste vento sem poeira
.
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

19 de jan. de 2011

DE AGULHAS E LINHAS

19 de jan. de 2011
.
Uma mulher formou-me um dia
(como se o houvera inventado)
De carreteis e linharia
E um pano branco costurado.
.
E então assim ela perfez,
Em seus trejeitos maternais,
No denso véu da gravidez,
As minhas formas naturais.
.
Mas vendo agora a estrutura
Eu compreendo que estava
Não nos trejeitos da costura
Mas na mulher que costurava.
.
FTO

10 de jan. de 2011

SEM IMPORTÂNCIA

10 de jan. de 2011
.
Estou errado (e sempre eu
Que finjo coisas que não liga)
Não percebi que entardeceu
Em qualquer rumo que eu siga.
.
E embora então me desaponte
Ainda busco a travessia
Que vai levar ao horizonte
Do recomeço em outro dia.
.
Mas estou farto desta luta
Desapontado com esta guerra
Que faz daquele que recruta
Mais uma cruz no vão da terra.
.
FTO

9 de jan. de 2011

AO NÃO PROSAICO

9 de jan. de 2011
.
Meu proselitismo se contradiz
Em minha eterna timidez;
Ela me lembra o que não fiz
E ele o nada que já fez.
.
Então não sei se é possível
À coragem desgastada e vã
Fazer do não inteligível
O meu começo de manhã.
.
Ventos do sul parecem brisas
Antigos sopros de estação,
Falam de coisas imprecisas
Do que farei e fiz em vão.
.
FTO

8 de jan. de 2011

SOMBRAS E CIRCUNSPECTOS

8 de jan. de 2011

CAEM ORVALHOS DE CIMENTO

.
Caem orvalhos de cimento
Por sob o véu do entardecer
No frio olhar do firmamento
Que mais parece nada ver.
.
Eis o sinal da travessia
Por onde a vida irá passar
Quando chegar o fim do dia
E ouvir-se a noite cavalgar.
.
E nesta imensa profusão
Que faz o mundo existir
Penso nas tardes de verão
E um por de sol pra me vestir.
.
FTO

RIBEIRINHO DAS VOLTAS

.
O rio rumina e a vazante
Faz da corrente rompida
Um objeto cortante
Que tira a água da vida.
.
E num caudal que flameja
O veio grita, derrama
E, na foz inundada, despeja
A viscosidade da lama.
.
E o ribeirão permanece
Ouvindo o rio dizer:
Palavra ouvida se esquece
Falar pra dentro é saber.
.
FTO

TRÊS QUINTOS E MEIO

.
As vagas horas de descanso
Caminham tão devagar
Ao ralo golpe do remanso
Do barulho à beira mar
.
O sol me evita e eu busco
Na imensa noite que sou
O halo opaco e ofusco
Que nem o sol não evitou.
.
Mas eu antevejo, me creia,
Que repousei minha pressa
Em rastros fendidos na areia
Da solidão não expressa.
.
FTO

FLERTE CIGANO

.
O seu amor me acusou
De um jeito tão normal
De alguém que nunca amou,
Pelo menos não igual.
.
E nessa coisa engraçada
Que a gente não quer ver
Por amar de forma errada
Ou fugindo, sem querer.
.
Mas a culpa se apressa
E a gente compreende
Só não sabe o que confessa
E não diz o que pretende.
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FTO

A PONTE RECLINADA

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O espelho é um fragmento
Que fugiu à explicação,
Diluiu-se em pensamento
Pois perdeu noutra razão.
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O que mostra da imagem
Não é o mesmo que ela
Mas somente uma linguagem
que no vidro se congela.
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E nas formas que ele insiste
Sei que ou o refletir
De uma cópia que inexiste
Pra que eu possa existir.
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FTO

6 de jan. de 2011

VÃ RAZÃO

6 de jan. de 2011
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Se o meu modo de entender
Tivesse a mesma estrutura
Que faz a noite escurecer
Sem obrigá-la a ser escura.
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Teria eu a mesma crença
Que tem a planta ao crescer
Não sendo nada do que pensa
E nem motivo para o crer.
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Mas meus sentidos acreditam
Que esta crença me atrapalha
Fazem-me ser o que eles fitam
E mesmo assim tudo me falha.
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FTO

VELA ARRIADA NO EPICENTRO

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Estar perdido é não buscar
alguma forma de encontrar-se
É ter em si nenhum lugar
Ser pouco além de um disfarce.
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Nada seguir, ser rumo incerto
Vela apagada em noite escura
É não se ver no que é perto
Pra insistir noutra procura.
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Estar perdido é um segredo,
Vela arriada no epicentro,
É naufragar-se pelo medo
De insistir no mar-a-dentro.
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FTO

5 de jan. de 2011

ESTIGMA

5 de jan. de 2011
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Eu me refiz de um rabisco
De uma idéia que não tenho
Feita de tiras, de um risco
Na tosca forma de um desenho.
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Eu me refiz de um absurdo
De tudo aquilo que quis ser
Tornei-me cego, fiz-me surdo
E assim eu quis me refazer.
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Agora vejo meus retraços
Por onde nada jorra ou flui
Estou sentado em meus braços
Olhando a coisa que não fui.
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FTO

AS FOLHAS CAEM



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As folhas caem no outono...
Vejo a folha que caiu,
Como alguém que tinha sono,
Ou simplesmente dormiu।
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Pois no infindável remanso,
De um tempo não medido,
O outono foi só o balanço,
Para a folha ter dormido।
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E nesta eterna gangorra,
Que brinca de vai e vem,
É provável que ela morra,
E o outono também.
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Francisco e Ana Moura
Trazido de O.T.Velho (Conservatório Íntimo)

SÃO SÓ RESPINGOS...

São só respingos, se aquieta...
É só o tempo de esquecer
Na noite longa, incompleta
Que nada há para entender.
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É só uma sombra escurecida
E não a própria escuridão
Que demarcou-nos toda vida
Que fez de nós demarcação.
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São só respingos... então esquece...
A noite é como uma viúva
Que se perdeu na própria prece
Por isso chora como a chuva.
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FTO

ODE ELEGÍACA

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Já não há nuvens sob o céu
Não há desterro, não há glória,
Somente um grito no papel,
Poeira branca e um véu
Na brasa acesa da memória.
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E na planicie verde e vasta
Tudo tornou-se solidão,
Melancolia, linha gasta
E o negrume que se arrasta
Na imensa dor que os homens são.
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Virei um dia aqui sentar-me,
Só para ver na cor do mar,
O horizonte desenhar-me
Num sobre-tom em que desarme
Minha vontade de chorar.
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FTO

ARTHUR

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Era uma vez um dragão que se chamava,
Qualquer um nome que a gente imaginasse,
Estava em tudo e em tudo se ocultava
Não era nada, nada além de um disfarce.
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Era uma história de um livro que se lê
Só quando a gente é pequeno e desconhece
Que um menino é DRAGÃO porque o crê
E um DRAGÃO é menino que não cresce.
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O tempo passa e tudo isso vira conto
Então dirão que fora apenas inventado
Nada acontece, tudo é ou nasce pronto,
Eu nada sei mas assim me foi contado.
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Francisco e Ana Moura
Dezembro de 2010

RIACHO DOCE

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As claras rondas do dia,
Dos dias que sempre são
A mais suprema elegia
Nas simetrias do chão
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Dos frios raios de inverno
Da madrugada mais vã
Desnuda o leite materno
E acalenta a manhã.
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Em cada flor um buque
Esculpe as formas do cacho
Ser doce é ser sem por que
Nas águas de um riacho.
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No curto espaço da trilha
Cada manhã nos convida
A ser um ponto que brilha
Nas rondas de alguma vida.
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E assim o sempre acontece
Em seu mistério profundo
No homem que amanhece
A cada aurora do mundo.
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Francisco e Ana Moura
Dezembro de 2010